A noite era de um dia próximo do fim de Fevereiro. A data era especial e justificou um jantar fora, em família. O inverno não vai rigoroso, mas nessa noite o calor podia-se bem com ele. Como sempre, no restaurante do J, o ambiente estava agradável. Naquela noite sentia-se o pronuncio do Carnaval que se iria comemorar numa sala do piso superior. A passagem dos foliões, devidamente aprumados (mascarados) para o evento, punha-nos bem-dispostos! O jantar aproxima-se do fim, os pratos e talheres já tinham sido retirados. Em cima da mesa permaneciam apenas os copos e as garrafas das bebidas, meio vazias. Faltavam as sobremesas. A um ritmo ligeiramente superior, tinha decorrido o jantar das duas mesas vizinhas. Numa delas, o empregado de mesa já tinha apontado os pedidos daqueles nossos vizinhos de ocasião. Na outra, o processo estava mais demorado. Contei cinco crianças e isso explica tudo... Ora, como a lista das sobremesas viria daquela para a nossa mesa, fui forçado a deter-me no impasse que por lá reinava. A conclusão tardava porque uma menina, que não teria mais que sete anos, insistia num gelado. A ideia não agradava aos adultos, que procuraram demove-la daquela preferência. Os argumentos foram vários, desde os bolos de bolacha e chocolate que eram deliciosos (!), ao pudim que era igual ao que fazia a avó (!), até gelatina, guloseima á qual nenhum catraio resiste. Mas como menina foi dizendo que não a tudo, a escalada dos argumentos atingiu o máximo com a possibilidade de ter que “levar uma pica se a constipação e dores de garganta, há pouco curadas, voltassem”, por causa da ingestão do gelado. Mas o certo é que ninguém conseguiu demover a miúda e o empregado concluiu a lista das sobremesas com um “Magnum de Chocolate”. Resolvido aquele impasse, chegou a nossa vez. Sem stress, porque o ambiente estava de tal forma agradável, que não era o atraso de alguns minutos que o iria estragar! Fizemos então os nossos pedidos e fomos rapidamente servidos. E eis que quando me preparava para cortar a rodela de ananás, que foi a minha sobremesa, me deparei com algo insólito. Olhei na direcção da lareira que existe na sala, que tem embutido um aparelho eletrico que simula uma fogueira e vai irradiando calor, e o que vejo? A menina do gelado! Sentada em frente à lareira com o corpo apoiado nas “perninhas à chinês”. Numa das mãos segurava o gelado que apontava na direcção da lareira. Como se o estivesse a aquecer, ali permanecia naquela posição uns 15 segundos e depois... trincava-o! E o gesto lá se foi repetindo, aquecia e trincava, aquecia e trincava...
Espero que o gelado não tenha feito mal à menina, porque afinal ela foi previdente: se o "gelado frio" faz mal, aquece-se... As crianças têm solução para tudo!