Uma das linhas de acção do Governo recentemente empossado é a reforma do Estado. Os novos governantes pertencem a uma corrente de pensadores que entende que a máquina do Estado tem um peso excessivo na economia, que é ineficiente nas inúmeras actividades que desenvolve, e que por isso consome uma parte exagerada da riqueza produzida no país sem que daí os portugueses retirem os dividendos adequados. Defendem por isso que, para que o país possa ter crescimento económico, o Estado deve emagrecer; deve apenas desenvolver actividades para que esteja especialmente vocacionado, ou que por imposição constitucional lhe estejam acometidas; e que não deve competir com os privados no exercício de actividades que estes provadamente executem de forma mais eficiente.
Em teoria, este princípio parece aceitável. Numa economia em que os recursos são especialmente escassos, a sua utilização deve ser feita com o máximo de eficiência, para que se alcancem níveis elevados de satisfação das necessidades, que, como sabemos, são ilimitadas.
Pensando assim, parece razoável que os recursos disponíveis sejam utilizados pelos agentes que melhor os rentabilizam. Se o Estado não consegue, pela dimensão exagerada da sua máquina, ser eficiente na rentabilização dos meios que aloca a si próprio, devem então ser outras entidades a prestar esses serviços, fazendo-o com a mesma qualidade e gastando menos.
Ora, especialmente na última década, o Estado foi ensaiando uma espécie de intercâmbio com entidades privadas, no sentido de beneficiar da sua maior eficiência na execução de certas funções que lhe estavam até então reservadas. Nessa medida “os privados” puderam, por delegação, desenvolver actividades que até então competiam exclusivamente ao Estado. Como exemplos deste modelo temos a gestão privada de hospitais públicos e a competência atribuída aos solicitadores, e a outros agentes privados, no processo de execução judicial.
No caso concreto dos agentes de execução, pensou-se que estes seriam mais expeditos e eficientes que a maquina da Justiça, na tramitação de certas fases do processo de execução. Por isso, o Estado atribuiu a solicitadores e a outros agentes o papel até então reservado aos funcionários judiciais, na tramitação de certas fases dos processos de execução, onde se incluiu a fase de identificação e penhora de activos aos réus/condenados para pagamento das suas dívidas a terceiros (vítimas).
Ora, como acima disse, tudo isto funciona se os privados conseguirem, com menos gastos, prestar os mesmos serviços com qualidade idêntica, ou superior, àquela que é prestada pelo Estado. Como sabemos, se há casos em que isso aconteceu, outros há em que tal não se verificou. No caso dos hospitais/empresa não é difícil encontrar exemplos em que a gestão dos privados não foi eficiente. Basta para isso verificar que os níveis de endividamento dessas entidades subiram, e em alguns casos até de forma desmesurada.
Mas como se vê por esta notícia, não foi só na área da saúde, que nem tudo bem.
O exercício de funções públicas, ainda que por delegação, exige dos agentes a quem são delegadas essas competências elevados níveis de idoneidade e ética. O crime alegadamente praticado pelo ex-presidente da Câmara dos Solicitadores é inadmissível, tanto mais que se trata de um agente que já desempenhou funções com especial relevância no âmbito da sua classe profissional.
Se casos como este continuarem a proliferar, certamente que os portugueses questionar-se-ão a propósito dos benefícios da transferência para o sector privado das actividades desempenhadas até agora pelo Estado porque estará ameaçado o princípio fundamental que tem que prevalecer numa relação utente/prestador: a confiança.
No meu entender e perante este cenário qualquer alteração que venha a decidir-se neste âmbito terá que ser muito ponderada e precedida de estudos que demonstrem que há benefícios inequívocos para a sociedade nas medidas que venham a ser postas em prática. Além disso, parece-me fundamental que o Estado reforce os seus poderes de regulação e fiscalização, para que possa garantir aos cidadãos que não haverá distorções na prestação dos serviços por parte das entidades privadas. Caso contrário pode não tardar a ouvir-se uma expressão muito popular adaptada a esta problemática: com privados destes... volta Estado, que estás perdoado!
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