quarta-feira, 11 de abril de 2012

Homens constipados

 Um dia destes, quando pela manhã me sentei à secretária tinha uma folha de papel com este poema de António Lobo Antunes colada ao monitor. Imaginam porquê? 

Poema aos homens constipados

Uma botija, chá de limão, 
Zaragatoas, vinho com mel, 
Três aspirinas, creme na pele 
Grito de medo, chamo a mulher. 

-"Ai Lurdes, Lurdes, que vou morrer. 
Mede-me a febre, olha-me a goela, 
Cala os miúdos, fecha a janela, 

Não quero canja, nem a salada, 
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada. 
Se tu sonhasses como me sinto, 
Já vejo a morte nunca te minto, 
Já vejo o inferno, chamas, diabos, 

Anjos estranhos, cornos e rabos, 
Vejo demónios nas suas danças 
Tigres sem listras, bodes sem tranças 
Choros de coruja, risos de grilo 

Ai Lurdes, Lurdes fica comigo 
Não é o pingo de uma torneira, 
Põe-me a Santinha à cabeceira, 
Compõe-me a colcha, 
Fala ao prior, 

Pousa o Jesus no cobertor. 
Chama o Doutor, passa a chamada, 
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada. 
Faz-me tisana e pão de ló, 
Não te levantes que fico só, 

Aqui sozinho a apodrecer, 
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer". 

António Lobo Antunes

Sem comentários:

Enviar um comentário