segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O Papa Bento XVI renunciou hoje ao seu ministério

Quando foi eleito para a cátedra de Pedro, em 2005, o Cardeal Joseph Ratzinger carregava um fardo, a meu ver, pesado: tinha sido durante 24 anos Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Este órgão, que tem a incumbência de promover e salvaguardar a doutrina sobre a fé e a moral católica em todo o mundo, é talvez o mais importante na estrutura Cúria Romana. Mas, simultaneamente, e por força das suas atribuições, é também aquele que mais frequentemente é visado pelos críticos da Igreja, que vêm nele uma espécie de “condicionador” da liberdade dos fiéis, a quem impõe valores éticos e morais e regras doutrinais. Virá a propósito referir que até ao início do século XX a Congregação para a Doutrina da Fé era conhecida como o Tribunal da Santa Inquisição.
Ora, o exercício do cargo de Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, durante grande parte do pontificado de João Paulo II - um dos Papas mais carismáticos de sempre - investiu Ratzinger no papel de uma personagem extremamente conservadora, tendo sido muitas vezes apontado aos olhos da opinião pública como o responsável pela falta de adaptação da doutrina da Igreja aos tempos modernos.
Porventura, por causa desta condicionante, quando a 19 de Abril de 2005 o Cardeal Joseph Ratzinger foi eleito Papa, fiquei algo expectante quanto ao exercício do seu ministério. Também eu fui muito marcado pelo pontificado avassalador de João Paulo II e em muitos momentos fiquei com a sensação de que Papa polaco teria ido mais além em questões fraturantes para sociedade contemporânea, não fossem as imposições emanadas pela Congregação para a Doutrina da Fé, de que era responsável o Cardeal alemão.
E os meus receios não se desvaneceram nos primeiros tempos do seu pontificado altura em que Bento XVI promoveu a recuperação de alguns símbolos tradicionais da indumentária pontifícia, como por exemplo, o uso de sapatos vermelhos... Esta e outras práticas, confesso-o, afiguraram-se-me a uma espécie de tentativa de restauração de uma certa "aristocracia papal" que achava desadequada para o nosso tempo.
Mas com o passar dos meses, e dos anos, a minha opinião acerca deste Papa foi-se clarificando e fui descobrindo nele um número crescente de qualidades que me levaram a respeita-lo e a admirar cada vez mais a sua personalidade.
Homem estudioso, muito inteligente e extremamente culto, Ratzinger é dado a uma timidez muitas vezes encontrada em personalidades com estas características, mas longo do tempo foi transformando a sua forma de estar em público, adequando-a às suas funções de Sumo Pontífice. Uma transformação deste género é sempre merecedora de relevo, mas, na minha opinião, a de Bento XVI, merece ainda mais destaque dado que se operou, e de uma forma particularmente notória, num homem de idade já avançada.
De resto, o pontificado de Joseph Ratzinger, não foi fácil, sendo pontuado por momentos de grande intensidade e polémica, de que será exemplo mais significativo, a denúncia de casos de pedofilia em larga escala no seio da Igreja Católica. E foi nestes momentos, e noutros, em que por exemplo assumiu publicamente erros históricos da Igreja, que Bento XVI se revelou um homem determinado e um líder particularmente incisivo, que procurou demonstrar a todos quantos o rodeiam que a resolução dos problemas começa pela aceitação da sua existência, sem ambiguidades e passa pelo seu tratamento de forma séria nas suas diversas vertentes, sejam elas religiosas, jurídicas, económicas, políticas, etc.
Em termos doutrinais/intelectuais, Bento XVI lega à Igreja e aos crentes em particular, um pontificado marcado por um pensamento focalizado particularmente no tema da fé. Seja sob a forma escrita, editada e publicada, seja através das intervenções que foi proferindo ao longo dos últimos oito anos, o Santo Padre, teorizou profundamente sobre a forma de entender a fé à luz da razão. Sobre a forma como cada ser humano pode livremente descobrir a verdade da fé se se predispuser a percorrer o caminho que leva à verdade, alimentado pela fé.
Em termos pastorais, do pontificado de Bento XVI ficam as suas viagens apostólicas, realizadas algumas delas em circunstâncias muito difíceis, e os seus encontros com personalidades ligadas a meios académicos, científicos, culturais e políticos, onde procurou constantemente lançar pontes para o diálogo inter-religioso, cultural e científico. 
Enfim, um pontificado relativamente curto, mas muito valoroso, que chega ao fim por vontade do próprio, num gesto sem paralelo na história recente da Igreja.

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