Começou hoje a discussão do Orçamento de Estado para 2012. Não pretendo falar aqui dos aspectos técnicos do documento, tão pouco da linha de austeridade que o mesmo encerra, traduzida em medidas com as quais não concordo, porque as tenho por demasiado severas, provocadoras de uma recessão evitável, pelo menos na dimensão que se anuncia e indutoras de uma discriminação negativa na repartição dos sacrifícios, para alguns grupos sociais.
Quero aqui falar, isso sim, é de uma questão formal, que se prende com a legalidade da aprovação de algumas medidas contidas no mesmo. Refiro-me concretamente à suposta inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e Natal aos reformados e funcionários públicos.
Preocupa-me o facto de já ter ouvido alguns constitucionalistas, inclusive da área da governação, como por exemplo Bacelar Gouveia, a pronunciarem-se no sentido de aconselharem o Presidente da República a pedir ao Tribunal Constitucional uma fiscalização preventiva do documento, ainda antes da sua promulgação, ou em alternativa, a sugerirem-lhe que exerça influência junto do Governo para que retire essas propostas, por ferirem os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade.
Perante este cenário, e enquanto cidadão que entende que o Estado de Direito tem valores que se sobrepõem a qualquer circunstância conjuntural, sou assaltado por algumas interrogações que deixo para reflexão e que me levam a não ficar sossegado quanto ao desfecho e às implicações futuras deste processo.
Primeira questão: Se as normas em causa forem efectivamente inconstitucionais e assim vierem a ser declaradas pelo Tribunal Constitucional, significa que teremos agora um orçamento aprovado que daqui a algum tempo pode ser totalmente desvirtuado pelo facto de algumas das suas medidas, nomeadamente as mais significativas, não poderem ser postas em prática, por serem contrárias à constituição. Que implicações resultariam para o nosso pais se se viesse a concretizar uma situação desta natureza?
Segunda questão: É possível ao Presidente da República ignorar (ou pelo menos não relevar convenientemente) a suposta inconstitucionalidade de algumas normas orçamentais, para não comprometer a sobrevivência económica e financeira do país?
Terceira questão: Esta é uma situação que exige decisões políticas e jurisdicionais muito delicadas, ainda assim, atrevo-me a perguntar qual será o superior interesse da nação, que por si só, justifica que se faça tábua rasa do garante do estado de direito que é a constituição?
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