sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A verdadeira crise

Há dias assisti a uma situação que me chocou profundamente.
Uma senhora, acompanhada do seu filho, com sete ou oito anos de idade, estava à minha frente na caixa de um supermercado para efectuar o pagamento das suas compras. Tudo normal. Pôs as compras em cima do tapete. Eram poucos artigos, chegaria rapidamente chegaria à minha vez, por isso fiquei contente.
Percebem o porquê da minha satisfação (?!!!)... Com certeza já todos experimentamos aquela sensação de desespero quando temos que esperar “tempo sem fim” porque quem está à nossa frente foi fazer as compras do mês. Os outros sentirão o mesmo, quando somos nós a fazê-las.
As perspectivas eram boas, o que veio a seguir è que não.
Depois de passar todos os artigos a funcionária fez as perguntas do costume – Tem cartão disto? Tem cartão daquilo? … A senhora foi respondendo sempre da mesma forma – Não.
Posto isto, a funcionária anunciou a conta. Vinte e tal euros.
A senhora tirou do bolso uma de dez euros, outra de cinco e três ou quatro moedas e deu-as à funcionária. A funcionária disse-lhe – Minha senhora, este dinheiro não chega... A senhora respondeu-lhe prontamente – Tire-me a polpa de tomate (uma embalagem das mais pequenas e de marca branca) e as bananas (um cacho com quatro bananas).
A empregada retorquiu – Ainda não chega. A senhora mandou tirar dois iogurtes.
Mais uma vez a funcionária a informou – Ainda não chega. A senhora mandou tirar um pacote de cenouras (que conteria umas dez).
Ainda assim o dinheiro da senhora não chegava, faltavam três cêntimos. A senhora olhava angustiada, para a funcionária. De que teria ela que prescindir a seguir? Mas vieram as palavras da operadora de caixa – Pronto, deixe estar, fica assim.
Ao lado o filho da senhora, com os cotovelos apoiados na beira da caixa e as mãos suportando-lhe o queixo, alternava o seu olhar entre o rosto da funcionária e o da mãe. Nem uma palavra…
Senti-me tentado a dizer à funcionária: eu pago a diferença. Mas nesse mesmo instante interroguei-me: não irá esta mulher sentir-se ainda mais atingida na sua dignidade se eu tiver esta atitude? Nada fiz, fiquei sem palavras.
Conclusão – Portugal, Novembro de 2009 – uma embalagem de polpa de tomate, quatro bananas, dois iogurtes e dez cenouras, estes são os números da verdadeira crise, aquela que de facto atinge as pessoas. Quem quiser que perceber que perceba.

2 comentários:

  1. Na verdade, esta é uma realidade bem presente nos nossos dias em muitas familias portuguesas...infelizmente

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  2. Obrigado pelo contributo.
    Infelizmente... mais presente do que seria desejável!
    Perante casos como este que presenciei, ouso questionar a honestidade intelectual da nossa sociedade. Quando vejo os telejornais ou leio os jornais, constato que o barómetro para aferir a dimensão da crise usa outras referências: a venda de casas, a venda de carros, a taxa de ocupação dos hotéis… e por ai fora. Raramente se entra no cerne da questão: “as polpas de tomate”, “os iogurtes”, “as bananas” ou “as cenouras” que grande número de pessoas já não pode comprar. Será involuntário, ou será mesmo para nos irmos enganando?
    Cumprimentos e volta sempre.

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